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As pedras do caminho


“Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra”


Carlos Drummond de Andrade


Começo indagando:
Quais foram as pedras que você ignorou? Quais lugares e encontros você deixou de apreciar por estar sentindo dor?
Pense que você está caminhando, na longa estrada da vida, seus sapatos estão confortáveis, você não pensa na distância que tem ainda para percorrer, só desfruta, das paisagens, da brisa, do calor, do caminho e dos encontros.


De repente, você sente um leve incômodo nos pés, ignora e continua, tentando olhar a paisagem. Você pensa que é só uma pedrinha. E você se acostuma com a pedrinha, e o incômodo deixa de incomodar.


De repente você sente outro incômodo, parecido com aquele primeiro, mas um pouco mais intenso, e pensa, vai passar, faz parte.
E de repente um outro incômodo mais forte. Mas já não é uma pedra, são muitas pedras incomodando. E você percebe que seus sapatos, antes confortáveis, já estão gastos.


Então ao invés de apreciar a paisagem, sentir a brisa, vivenciar os encontros… você passa a olhar para o chão, para evitar que outras pedras entrem pelo buraco dos sapatos.


E você começa a pensar na distância que ainda tem que percorrer. Você quer a linha de chegada. A paisagem já não é suficiente. Os encontros passam a ser evitados, já que a dor não permite sorrisos e conversas. Cansado você para de caminhar.


Alguém passa por você e diz que os sapatos estão gastos, que tem um enorme buraco, que seus pés estão feridos, você ignora, afinal seus sapatos estão tão bem ajustados que você não pensa em conserto ou substituição (que ingratidão), e os pés que aguentem.


Você até pensa as vezes que seria bom o encontro com alguém que soubesse como cuidar das feridas. E alguém que desse um jeito nos sapatos… “Mas não agora, vou andar mais um pouco, talvez o buraco se feche, talvez as pedras saiam e a dor acabe” A caminhada tem que continuar e você decide se acostumar com a dor ao invés de buscar o causa(dor).


E você continua cuidando, olhando para o chão, desviando de novas pedras. A essa altura, você já não sabe descrever a paisagem, nem cumprimenta os que passam por você. A brisa só é uma forma de aliviar o calor. Se você quiser fazer um breve relato dos caminhos por onde passou, precisa se concentrar, parar, anotar, convocar sentimentos. E pensar que no começo as coisas aconteciam de forma natural.


De repente havia uma enorme pedra no caminho, e era impossível desviar, impossível continuar. Você para, chora, percebe que seus pés estão muito machucados para aguentar mais aquela pedra. Percebe que seus sapatos não suportarão. Pensa em desistir da caminhada. E novamente lembra que existe uma pessoa que se dedica ao tratamento das feridas dos pés e outra que que pode dar um jeito nos sapatos.


E na busca por solução, tratando as feridas, você lembra de todos os caminhos percorridos, e lembra dos períodos em que não olhava tanto para o chão. Lembra que antes da dor você corria, sentia a brisa, apreciava a paisagem e vivenciava os encontros.


E a enorme pedra que parecia ser o seu grande problema, foi a solução, pois para que ela não fizesse um estrago maior, você precisou consertar os buracos nos sapatos e tratar as feridas dos pés.


Saiba, suas pedras podem se transformar em preciosidades se você compreender a função delas na sua vida. Cada incômodo sentido, se não for ignorado, pode ser acolhido e ganhar um lugar confortável.


E com os pés saudáveis e sapatos confortáveis você pode continuar a caminhada usufruindo de tudo o que ela tem a oferecer, mesmo em meio às pedras que você possivelmente encontrará pela estrada da vida (breve).


Juliana Mistrini Veríssimo
Psicóloga clínica

CRP 08/21151